Um ano de <i>troika</i> e de Governo PSD/CDS

Eugénio Rosa

Uti­li­zando a lin­guagem ob­jec­tiva dos nú­meros ofi­ciais vai-se apre­sentar, de uma forma sin­té­tica, al­gumas das con­sequên­cias para os tra­ba­lha­dores (so­mente uma pe­quena parte para o es­tudo não ficar de­ma­si­a­da­mente ex­tenso) da te­rapia de choque ul­tra­li­beral re­ces­siva que está a ser im­posta pela troika es­tran­geira e pelo Go­verno PSD/​CDS aos por­tu­gueses, a qual está a des­truir a eco­nomia e a so­ci­e­dade por­tu­guesa. Co­me­cemos pelos sa­lá­rios.

Dados das Es­ta­tís­ticas do Em­prego do INE re­velam que no 1.º ano de troika e de Go­verno PSD/​CDS a per­cen­tagem de tra­ba­lha­dores com sa­lá­rios lí­quidos no­mi­nais baixos ou muito baixos au­mentou, en­quanto a de tra­ba­lha­dores com sa­lá­rios mais ele­vados di­mi­nuiu.

Entre 2011 e 2012, a per­cen­tagem dos tra­ba­lha­dores a re­ceber sa­lá­rios lí­quidos in­fe­ri­ores a 9000 euros por mês au­mentou de 61,6% para 63,5% do total. In­ver­sa­mente, no mesmo pe­ríodo, ve­ri­ficou-se uma re­dução im­por­tante na per­cen­tagem de tra­ba­lha­dores com sa­lá­rios lí­quidos mais ele­vados. Se­gundo também o INE, a per­cen­tagem de tra­ba­lha­dores com sa­lá­rios lí­quidos entre 2500 euros e 3000 euros di­mi­nuiu em 19,8%, e a de tra­ba­lha­dores com sa­lá­rios lí­quidos su­pe­ri­ores a 3000 euros so­freu uma re­dução de 19%.

Apesar do ca­rácter in­di­ca­tivo destes dados, no en­tanto é clara uma ten­dência na al­te­ração da es­tru­tura sa­la­rial dos tra­ba­lha­dores no sen­tido do au­mento do peso dos tra­ba­lha­dores com sa­lá­rios baixos e muitos baixos, e da di­mi­nuição do peso dos sa­lá­rios ele­vados. E em 2012, de acordo com as Pre­vi­sões da Pri­ma­vera di­vul­gadas em Maio, a Co­missão Eu­ro­peia prevê mais uma re­dução de -3,1% nos sa­lá­rios no­mi­nais dos tra­ba­lha­dores por­tu­gueses (na Ad­mi­nis­tração Pú­blica, com o con­fisco do sub­sídio de fé­rias e de Natal a re­dução atinge 14%), a que se junta um au­mento brutal no IRS, como mostra o Quadro anexo.

Só as al­te­ra­ções in­tro­du­zidas no Có­digo do IRS pelo Go­verno PSD/​CDS, através da Lei do Or­ça­mento do Es­tado para 2012, que con­se­guimos quan­ti­ficar (al­gumas não foi pos­sível por falta de dados), de­ter­minam um au­mento de IRS, que cai prin­ci­pal­mente sobre os tra­ba­lha­dores, que es­ti­mamos em mais 673 mi­lhões euros. Para além disso, as taxas de IRS so­freram um au­mento em 2012 que é tanto mais ele­vado quanto mais baixo é o es­calão (para os ren­di­mento tri­bu­tá­veis até 4893 euros a su­bida foi de 3,8%, en­quanto para ren­di­mentos su­pe­ri­ores a 153 300 euros o au­mento foi apenas de 1,4%). A con­ju­gação de todos estes au­mentos de IRS vão de­ter­minar também mais uma re­dução sig­ni­fi­ca­tiva dos sa­lá­rios lí­quidos dos tra­ba­lha­dores por­tu­gueses em 2012.


Al­te­ra­ções no Có­digo do IRS que de­ter­minam em 2012 au­mento sig­ni­fi­ca­tivo do IRS


Fonte: INE, Es­ta­tís­tica do Em­prego - 1.º Tri­mestre de 2011 e de 2012

 

Des­truição de 558 em­pregos por dia

 

A des­truição de em­prego no 1.º ano de troika e de Go­verno PSD/​CDS foi muito ele­vada.

Atingiu os 203,5 mil, o que cor­res­ponde a 558 em­pregos por dia (mais re­cen­te­mente, ou seja, no 1.º Tri­mestre de 2012, a des­truição, ace­lerou-se al­can­çando 810 em­pregos des­truídos por dia), sendo 358 ocu­pados por ho­mens e 200 em­pregos ocu­pados por mu­lheres. Em 2012, a Co­missão Eu­ro­peia, nas suas Pre­vi­sões da Pri­ma­vera, prevê que o em­prego em Por­tugal se re­duza em -3,3%, o que sig­ni­fica a des­truição de mais 153,8 mil postos de tra­balho, o que vai agravar ainda mais o pro­blema do de­sem­prego em Por­tugal. Quando a prin­cipal fonte de cri­ação de ri­queza de um país são as pes­soas, uma po­lí­tica que pro­voca uma tão ele­vada des­truição de em­prego e, con­se­quen­te­mente, de ri­queza, dei­xando cen­tenas de mi­lhares de por­tu­gueses sem tra­balho, que é si­mul­ta­ne­a­mente o seu prin­cipal meio de so­bre­vi­vência e de dig­ni­fi­cação, tal po­lí­tica é cri­mi­nosa. A afir­mação de Passos Co­elho de que o des­pe­di­mento é uma opor­tu­ni­dade para mudar de vida re­vela, para além de uma pro­funda in­sen­si­bi­li­dade hu­mana e so­cial, uma falta de res­peito por quem tem de en­frentar o drama do de­sem­prego numa al­tura em que se ve­ri­fica a des­truição ma­ciça de em­prego, por isso é di­fícil en­con­trar novo em­prego, ainda por cima vinda de uma pessoa que tem vi­vido à sombra do em­prego pro­te­gido pelo cartão par­ti­dário.

 

Au­menta o de­sem­pregoe os de­sem­pre­gados
sem sub­sídio de de­sem­prego

O de­sem­prego – que é um in­di­cador avan­çado da re­cessão eco­nó­mica, pois como mos­trámos no es­tudo an­te­rior existe uma forte cor­re­lação entre a quebra do PIB e au­mento do de­sem­prego (lei de Okun) – dis­parou, assim como o nú­mero de de­sem­pre­gados sem sub­sídio de de­sem­prego.

Se­gundo o INE, entre o 1.º Tri­mestre de 2011 e o 1.º Tri­mestre de 2012, o de­sem­prego ofi­cial

au­mentou em Por­tugal de 12,4% para 14,9% (de 689 mil para 819 mil de­sem­pre­gados), mas o

de­sem­prego real, que in­clui também os «inac­tivos dis­po­ní­veis» e o «de­sem­prego vi­sível», ou seja, os de­sem­pre­gados que não pro­cu­raram em­prego no pe­ríodo em que foi feito o inqué­rito por pen­sarem que não o en­con­trarão (os cha­mados «de­sen­co­ra­jados») ou por qual­quer outro mo­tivo, e também aqueles que, para so­bre­vi­verem, fazem pe­quenos «bis­cates», apesar de es­tarem no de­sem­prego não são in­cluídos no nú­mero ofi­cial de de­sem­prego; re­pe­tindo, se so­marmos todos estes ao de­sem­prego ofi­cial, obtém-se uma taxa real de de­sem­prego. E esta taxa du­rante o 1.º ano de troika e de Go­verno PSD/​CDS au­mentou de 17,7% para 21,5% (o nú­mero de de­sem­pre­gados subiu de 1 007 000 para 1 224 000).

No fim do 1.º Tri­mestre de 2012, o de­sem­prego real atingia 1 224 000 de­sem­pre­gados, mas

re­ce­biam sub­sídio de de­sem­prego apenas 359 mil se­gundo a Se­gu­rança So­cial, ou seja, so­mente 29 em cada 100, não re­ce­bendo qual­quer sub­sídio de de­sem­prego 865 000 de­sem­pre­gados. É por esta razão também que a mi­séria e a fome está a alas­trar ra­pi­da­mente em Por­tugal.

 

De­sem­prego de longa du­ração
atinge mais de 50% dos de­sem­pre­gados

 

Entre 2011 e 2012, o de­sem­prego de longa du­ração, ou seja, com du­ração su­pe­rior a um ano,

au­mentou de 365,2 mil para 416,2 mil, re­pre­sen­tando em 2012 mais de 50% do de­sem­prego

ofi­cial. Para além destes, ainda existem vá­rias cen­tenas de mi­lhares de de­sem­pre­gados que não são con­si­de­rados no de­sem­prego ofi­cial (inac­tivos dis­po­ní­veis e su­bem­prego vi­sível), cujo nú­mero au­mentou, entre 2011 e 2012, de 365,2 mil para 416,2 mil (mais 27,5% num único ano). Um as­pecto grave desta si­tu­ação, a juntar ao re­fe­rido an­te­ri­or­mente, é o facto de que quanto mais tempo um tra­ba­lhador se en­contra na si­tu­ação de de­sem­pre­gado, mais di­fícil é ar­ranjar em­prego pois, para além de tudo o mais, perde ex­pe­ri­ência e qua­li­fi­ca­ções por não ter tra­ba­lhado.

 

De­sem­prego qua­li­fi­cado dis­parou

O de­sem­prego que mais tem au­men­tado em Por­tugal, neste 1.º ano de troika, e pre­ci­sa­mente o de­sem­prego de nível de es­co­la­ri­dade mais ele­vado, o que mostra que a eco­nomia por­tu­guesa está a ser des­truída al­te­rando-se também no sen­tido de um perfil pro­du­tivo ba­seado fun­da­men­tal­mente não só em baixos sa­lá­rios mas também em baixas qua­li­fi­ca­ções.

Entre 2011 e 2012, o de­sem­prego de tra­ba­lha­dores com o nível de es­co­la­ri­dade até ao Bá­sico

au­mentou 8,2%, mas os com en­sino Se­cun­dário cresceu 43,5%, e os com en­sino Su­pe­rior subiu em 37%. É evi­dente que a eco­nomia por­tu­guesa ab­sorve cada vez menos tra­ba­lha­dores com ní­veis de es­co­la­ri­dade e qua­li­fi­cação ele­vadas. Com a ac­tual po­lí­tica ex­pulsa-se os tra­ba­lha­dores mais qua­li­fi­cados para o es­tran­geiro, con­de­nando a eco­nomia e a so­ci­e­dade por­tu­guesa à es­tag­nação e ao atraso. Eis também um re­sul­tado de um ano de troika e de Go­verno PSD/​CDS.



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